• Religiao e Diversidade

    From Flavio Bessa@1:2320/100 to All on Tue Jul 5 16:20:04 2016
    O Ensino Religioso, disciplina escolar, desenvolve-se como uma �rea de conhecimento que recobre uma das manifesta��es mais antigas, diversificadas e ricas dos seres e dos grupos humanos: o fen�meno religioso. Tal � sua diversidade, por�m, que uma das grandes tenta��es do professor de Ensino Religioso seria pretender classificar todas as express�es religiosas num determinado g�nero, as religi�es, por exemplo. E, ainda, considerar que sua disciplina, como outros setores das ci�ncias humanas, deve-se ocupar unicamente

    do que � comum a todas as religi�es, deixando de lado o espec�fico de cada religi�o, para n�o correr o risco de proselitismo.
    Em termos t�cnicos, desde que no s�culo 19 tomou-se consci�ncia da diversidade religiosa, que viu nascer o estudo comparativo das religi�es, a express�o fen�meno religioso passou a ter um valor transcendental ou anal�gico, designando formas substancialmente diversas do ser humano responder por ritos e

    mitos, ao anseio de transcend�ncia inscrito no fundo de si mesmo.
    A op��o de falar das religi�es como se fossem um g�nero, buscando o que seria comum a todas elas, al�m de pouco cient�fica, desconhece a realidade dos fatos.

    Pouco cient�fica porque hoje, mais do que nunca, valoriza-se a ci�ncia capaz de

    captar a diversidade existente no seu campo de observa��o e de estudo. Desconhece a realidade dos fatos porque, como demonstram in�meros exemplos pr�ticos, operaria um verdadeiro nivelamento por baixo, levantando a suspeita de que o Ensino Religioso tende a esvaziar cada uma das religi�es no que tem de

    pr�prio e de espec�fico, em favor de uma religiosidade gen�rica e de uma espiritualidade politicamente correta talvez, mas superficial e desconhecedora do vigor da f�.
    N�o se pode negar que a f�, quando aut�ntica, est� na g�nese de todos os ritos,

    dos mitos, das pr�ticas e das institui��es religiosas, pois � ela que sustenta a vida, muito mais do que uma simples religiosidade gen�rica. � a f� que anima a atividade dos verdadeiros religiosos, a come�ar pelos que est�o dispostos a dar a vida pelo que acreditam, sem que possam ser acusados de fanatismo, como os m�rtires, encontrados em todas as tradi��es religiosas, das origens crist�s ao holocausto, sem menosprezar a qualidade moral e espiritual de suas muitas manifesta��es frequentemente classificadas de fanatismo.

    Significados diversos
    Ao falarmos, por exemplo, de textos sagrados, � preciso ter a consci�ncia clara

    de que n�o se trata de um g�nero liter�rio em que se classificariam todos os textos que falam do que d� sentido � vida, da sabedoria, da espiritualidade, de

    Deus ou com Deus. Nada impede que a Hist�ria e a Literatura, a Psicologia e a Sociologia os estudem dos seus respectivos pontos de vista, mas o Ensino Religioso, a nosso ver, dada a originalidade do fe�n�meno religioso, n�o pode ser ref�m das ci�ncias humanas. O conhecimento a ser transmitido em sala de aula requer a percep��o do que torna sagrado o texto para as diversas religi�es, surgindo, j� aqui, uma diferen�a profunda entre as religi�es prof�ticas, como as abra�micas (juda�smo, cristianismo e islamismo), por exemplo, as m�sticas (budismo, hindu�smo), as sapienciais (tao�smo, confucionismo) e as �naturais�, por assim dizer, em geral, privadas de textos, como as xam�nicas, negras e ind�genas.
    O primeiro cuidado na interpreta��o de um texto sagrado � de situ�-lo no contexto da religi�o que o considera tal, sem o que sua leitura se limitaria aos aspectos gen�ricos, hist�ricos, liter�rios, psicol�gicos ou sociol�gicos de

    qualquer outro texto, deixando-se escapar o que o caracteriza como texto sagrado, na sua diferen�a espec�fica.
    Isso n�o quer dizer que o espec�fico de uma religi�o seja exclusivo dos demais aspectos que integram o fen�meno religioso, pois a religi�o, como todas as realidades culturais humanas, s�o construtos complexos, compostos de elementos v�rios, que contribuem para identific�-los, sem que sejam todos determinantes de sua especificidade. Assim, pela an�lise do fen�meno religioso, somos levados

    a identificar, em todas as religi�es, elementos como ritos, mitos, exig�ncias morais e pr�ticas institucionais, associados entre si em diversas medidas, como

    express�es do que d� sentido � vida, da rela��o dos humanos com a transcend�ncia. Exemplificando, as imagens, veneradas das maneiras mais diversas nas v�rias religi�es, t�m em cada uma delas um sentido espec�fico, express�o da f� que a anima, cuja f�, ali�s, pode at� animar a proibi��o ou rejei��o das imagens. Sua import�ncia religiosa, de fato, n�o depende de si mesmas, mas da forma como s�o entendidas, acolhidas ou rejeitadas. O mesmo acontece, analogamente, com os textos sagrados, que t�m significa��es muito diversas nas v�rias tradi��es religiosas.

    Textos revelados
    Para ficarmos, por�m, no �mbito das religi�es abra�micas � juda�smo, cristianismo e islamismo �, que estatisticamente se imp�em na nossa tradi��o cultural, apesar dos importantes aportes das religi�es negras e ind�genas, e, nos dias de hoje, a crescente influ�ncia espiritual do hindu�smo, budismo e mesmo de tradi��es sapienciais, � indispens�vel ter presente que para essas religi�es os textos sagrados s�o textos revelados. Isto �, s� podem ser entendidos, do seu ponto de vista, como portadores de uma mensagem, que n�o tem

    sua origem na pr�pria religiosidade nem na sabedoria humana, mas foram comunicados pela realidade primeira, a que denominamos Deus.
    H�, contudo, mesmo no seio dessas religi�es classificadas como prof�ticas, uma diferen�a profunda na maneira como juda�smo, cristianismo e islamismo entendem a revela��o. Diferentemente das duas outras religi�es abra�micas, o cristianismo, sobre�tudo na sua express�o cat�lica, n�o v� no texto a simples Palavra de Deus, mas uma palavra humana que � express�o de como a interven��o de Deus na Hist�ria foi interpretada autenticamente pelo autor sagrado, animado

    pelo Esp�rito de Deus. A grande e definitiva comunica��o de Deus, de sua Palavra, � o Cristo Jesus, Palavra de Deus encarnada. Mas os textos sagrados, inclusive a respeito de Jesus, s�o fruto da experi�ncia religiosa das primeiras

    comunidades crist�s e foram escritos por autores inspirados por Deus e reconhecidos como tais pela comunidade crist�, a Igreja.
    Ao abordar a Tor�, a B�blia ou o Cor�o, o professor de Ensino Religioso precisa

    p�r em foco essa especificidade e encontrar uma forma de assinal�-la no concerto dos mais variados textos sagrados, a que o aluno tem o direito de ter acesso, com o instrumental necess�rio para os interpretar corretamente.

    Texto no contexto
    No seio da comunidade de f�, compreende-se que a B�blia seja lida como Palavra de Deus, pois, gra�as � f�, ela representa de fato a a��o criadora e santificadora de Deus na vida das pessoas e da comunidade: mostra o caminho a seguir, sustenta a esperan�a e alimenta o amor com que somos amados e que somos

    provocados a corresponder, em rela��o a Deus e no conv�vio com o pr�ximo. No Ensino Religioso escolar, por�m, com a mudan�a da perspectiva determinante da disciplina, parece nos indispens�vel que o texto b�blico, por exemplo, seja abordado como texto sagrado e revelado, sem d�vida, mas hist�rica e literariamente situado no contexto da tradi��o cultural de que emana, como express�o da religiosidade de um povo e de uma �poca.
    A laicidade que se definia at� bem pouco tempo como nega��o ou desconhecimento da religi�o, no��o que ainda persiste nos meios universit�rios e oficiais e que

    parece estar no fundo das resist�ncias ao Ensino Religioso nas escolas, era de fato negadora do alcance transcendente efetivo da vida humana, pessoal e social, concebendo-o, quando muito, como um universo de valores �ticos, art�sticos ou liter�rios, a serem mais ou menos levados em considera��o na atividade concreta ou na organiza��o social e pol�tica das comunidades humanas.

    Tal atitude, considerar� os textos sagrados na sua qualidade �tica, art�stica ou po�tica, nunca, por�m, propriamente como sagrados.
    O Ensino Religioso vai al�m. Sem negar a vincula��o de tais textos ao seu contexto cultural, nem sua significa��o hist�rica, liter�ria ou �tica, precisa identificar a rela��o do texto sagrado com o Absoluto, com a atitude pessoal profunda, atitude de f�, num sentido gen�rico, de que a religi�o e, portanto, o

    texto sagrado � express�o, dentro da maneira de entender a rela��o com o Absoluto na tradi��o em que este texto veio a se constituir ou foi escrito. Em outras palavras, o estudo dos textos sagrados no Ensino Religioso � um dos caminhos privilegiados de acesso ao que h� de mais espec�fico em cada religi�o.

    Da� sua import�ncia no Ensino Religioso.
    O estudo dos textos sagrados n�o exclui sua an�lise hist�rico-liter�ria, pelo contr�rio, deve estabelec�-la o mais firmemente poss�vel para que se torne manifesta sua consist�ncia pr�pria como sagrados ou mesmo, nos casos de figura,

    como revelados. A qualidade do Ensino Religioso leigo, sem proselitismo, mas tamb�m sem desconhecimento do que cada religi�o tem de espec�fico, requer a interpreta��o cr�tica, mas integral, do que significam os textos com que se alimenta cada religi�o na sua especificidade.

    * Francisco Cat�o
    Doutor em Teologia, professor do Instituto Pio XI, em S�o Paulo (SP), autor da

    cole��o did�tica para o Ensino Religioso Conviv�ncia e Liberdade.


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